O cânion "perdido"
Diante da imensidão do cânion, aprendi que a verdadeira grandiosidade não está apenas nas paisagens que vemos, mas na sensação de sermos pequenos diante da natureza. E cada curva e sombra conta uma história. (clique para ler)


Província de Mpumalanga, África do Sul…
A cerca de 500km da maior cidade sul africana, Joanesburgo (“Johannesburg” no idioma africâner - um dos 11 oficiais daquele país!), essa província abriga um dos mais belos e impactantes acidentes geológicos que tive a oportunidade de conhecer: o Blyde River Canyon.
Como o nome sugere, trata-se de um cânion, e é um dos maiores do mundo, sendo considerado o mais “verde” deles, pois há abundância de vegetação nele, o que não é tão comum para essas formações.
A propósito, os cânions exercem em mim um grande fascínio. Fico perplexo e maravilhado quando penso sobre suas formações.
Basicamente, são resultados da ação do tempo… Mas, não é como aquela ruga que surge entre uma primavera e outra na nossa face… É o TEMPO em escala quase inimaginável para nossos padrões brevíssimos de sopro vital. São milhões e milhões de anos de um processo que engloba movimentações tectônicas, erosão, vento e aparentemente intermináveis ciclos de “vida e morte” (gerações incalculáveis de organismos vivos surgem e ressurgem alimentando-se e sendo alimentado por esse bioma tão rico. O que me leva a pensar que, na verdade, não faz muito sentido delimitar qualquer que seja o organismo em um lapso entre “vida e morte”. Mais provável que seja apenas um continuum existencial desde os primórdios… Mas, isso é papo para outra hora).
O fato é que, quando estamos diante de um cânion, estamos diante de uma manifestação poderosíssima da Natureza!
E se você está ouvindo falar da Província de Mpumalanga apenas agora lendo este texto, não se acanhe, pois eu jamais tinha ouvido falar dela também até me deparar com o Blyde. O que deixa a minha história com ele ainda mais memorável.
Viajei para a África do Sul no final do mês de novembro de 2018, regressando de lá apenas em meados de janeiro já de um novo ano… Quando deixei o Brasil, pairavam em mim maus pressentimentos do que viria a suceder sobre nossa nação. Era um tempo estranho, nebuloso, de ascensão de sentimentos nocivos à civilidade que imaginava eu que já estariam superados. A ida à África do Sul tinha um quê de busca por ares diferentes.
E os mais de 40 dias por lá vividos foram absolutamente fabulosos! Recheados de histórias e experiências que me estão guardadas no âmago da alma! Pretendo falar muito delas por aqui ainda…
Mas, voltando ao nosso Blyde River Canyon… Eu havia passado 5 dias em incursão no Kruger Park, que fica no nordeste do país e é a maior reserva animal da África do Sul e uma das maiores de todo o continente africano, cobrindo uma área de quase 20.000 km2 - quase a metade do Estado do Rio de Janeiro.
Passei esses dias, basicamente, fazendo safáris (de observação, por óbvio!!! Nada contra os caçadores, contanto que morram todos 😝).
E os dias dos safáris já eram os últimos dias de toda a minha jornada, que havia começado em Cape Town, onde fiquei por 4 semanas, passando pela Rota Jardim e as principais cidades do sul do país. Ou seja, havia rodado por quase toda a África do Sul e por mais de 40 dias até chegar ao Blyde River Canyon na Província de Mpumalanga em direção a Joanesburgo (de onde regressaria ao Brasil no dia seguinte).
Na van que eu estava havia umas 7 ou 8 pessoas, e já estávamos na estrada a 1h30 mais ou menos (vindo do Kruger) e ainda teríamos pelo menos mais 6h pela frente.
Eu estava completamente esgotado fisicamente e quando o sujeito da tour anunciou a parada da van para ir até ao mirante do Blyde River Canyon, lembro perfeitamente de ter torcido fervorosamente para alguém insurgir-se contra a proposta e pedir para cancelar a parada e seguir viagem.
Eu mesmo pensei em fazer isso, não fosse a falta de ânimo até para abrir a boca (rs). Embora eu jamais pediria algo do tipo (“never retreat, never surrender” é meu lema espartano quando o assunto é “trilhas”).
A van encosta e desliga o motor… Parecia que meu corpo desligava junto… Dei uma bufada interna e pensei: “Tá… Vamos lá… Já que estou aqui, vou ver esse tal de “blaide não sei do quê” (eu simplesmente nunca tinha ouvido falar do Blyde River, muito menos do colossal cânion!).
Algumas bolhas nos pés dificultavam ainda mais minha caminhada até a beira do mirante… Calculava que minha bateria devia estar na reserva (uns 4,3% nos meus cálculos).
E então, de repente, eu estava sem fôlego algum… Mas, não porque tinha acabado minhas forças, mas porque fiquei um minuto em suspensão quando meus olhos depararam-se com a dimensão do cânion! Literalmente fiquei alguns instantes sem sentir a respiração, sem sentir qualquer falta disso. Não era incômodo que me acometia, mas pura contemplação! Eu não sentia mais nada do meu corpo, parecia estar flutuando no vazio, pairando sobre o rio que lá embaixo emprestava os contornos ao cânion.
As fotos não conseguem capturar a real dimensão de um grande cânion. Até de forma um tanto inconsciente, suponho, nossa mente, quando vê uma reprodução fotográfica, tende a dimensionar aquela paisagem a algo conhecido e, por isso, “natural”. E por mais que racionalmente conseguimos dimensionar algo colossal apenas vendo uma foto, essa informação não causa surpresa ao cérebro. É uma expressão “fria”, sem emoção. Algo do tipo: “certo, deve ser algo bem grande, porque dá para perceber a proporcionalidade vendo esse ponto aqui, e aquele ali e tal. Nada de mais…. Tem coisas até maiores”.
Quando essa informação é capturada in loco, a reação cerebral é completamente diferente! Há um grande choque. É como se perdêssemos todas as referências espaciais, porque nada do que vimos antes se encaixa ali (ou melhor, tudo que já vimos antes deve caber ali dentro com sobras!)
E esse impacto me veio com a avalanche de considerações que já comentei acima (são milhões de anos que Gaia está esculpindo isso! Que Obra-prima!!!).


